Outro dia, recebi a indicação de um blog de um psicanalista que eu já vi aparecer na TV. O texto dele, curtinho e até interessante falava da dificuldade de ser comunicar realmente o que se deseja pela internet. De fato, uma realidade diante dos constantes desentendimentos que já vi acontecer dentro dos vários grupos e agora mídias sociais que participei e participo. Mas o que me fez perder totalmente o interesse em continuar explorando o tal blog foi o fato do médico entitular o blog como blog do DR. fulano.
Eu não gosto quando alguém se apresenta como doutor. Já vi movimentos que falam que doutor é quem faz doutorado. Por outro lado, a definição de doutor diz que doutor é todo aquele que detém um conhecimento específico. Ou seja, muitas pessoas poderiam ser doutores, mesmo sem ter estudado. Porque não só a universidade ensina, a vida também.
Não sei, mas filha de doutor que sou, me acostumei muito a essa nomeclatura contudo, hoje, ela me soa estranha. Vejo muito arrogância e prepotência nas pessoas que assim se apresentam ou fazem questão de auto-entitular-se. Já tive um chefe, dono de uma fábrica de refrescos, que era médico e fazia questão de mesmo não estando exercendo o ofício da medicina, ser chamado de Doutor. Virou quase uma extensão de seu próprio nome. Eu inclusive o chamava assim.
Em consultórios médicos, vemos profissionais que deveriam cuidar da saúde de seus pacientes, receitando tratamentos que as pessoas não precisam, simplesmente porque se colocavam na posição de quase deuses, decidindo o destino daquele que o busca num momento de aflição e necessidade. Um exemplo típico são as cesáreas diagnosticadas apenas por conveniência da agenda apertada do médico que não quer perder horas acompanhando um parto normal. E uma cirurgia que deveria ser feita apenas em caso de emergência é feita quase como uma extração de dente. Sendo que nem essa é feita sem necessidade.
Que diremos dos advogados cuja classe forma os grandes magistrados do judiciários e estes sim, se acham acima até do próprio Deus, definindo os destinos de nossas vidas, muitas vezes de acordo com suas vaidades. Eu mesma por ter enfrentado e me oposto a posição de uma juíza numa audiência, tive a mesma cancelada e nada pude fazer. A justiça não só não foi feita com imparcialidade como ainda foi determinada pelas vaidades da própria juíza. E daí prá baixo, vemos milhares de profissionais como promotores, defensores e oficiais que tratam a lei como sua propriedade e doutores que se acham, apropriam-se dela fazendo de si mesmo seres superiores e sem a menor obrigação de atender o povo com dedicação e respeito. Ao invés de estarem ali para servir, servem-se da justiça.
Tudo isso me foi inspirado por um texto que li no blog do Alessandro Martins que leva o mesmo título que usei para este texto (que de tão interessante não poude deixar de colocar da mesma forma) e diz o seguinte:
(…) não me considere desrespeitoso se me dirijo ao senhor chamando-o por seu nome próprio, sem referir-me às vestes que enverga. (…) sempre me impressionou o modo como os franceses, quando entrevistam um escritor, um artista, uma personalidade política, evitam usar apelativos redutivos, como professor, eminência, ou ministro. Há pessoas cujo capital intelectual é dado pelo nome com que assinam as próprias idéias. Assim, os franceses se dirigem a qualquer pessoa cujo maior título é o próprio nome, com “diga-me, Jacques Maritain”, diga-me, Claude Lévi-Straus”. É o reconhecimento de uma autoridade que se manteria mesmo se o sujeito não tivesse se tornado embaixador ou acadêmico da França. Se eu tivesse que me dirigir a Santo Agostinho (e também por essa vez, não me julgue excessivamente irreverente), não o chamaria de “Senhor Bispo de Hipona” (pois muitos outros depois dele também foram bispos daquela cidade), mas de “Agostinho de Tagasta”. (Umberto Eco, autor de O Nome da Rosa, no livro Em que creem os que não creem)
Falou e disse.
________________________________________________________________________________ Ana Cláudia Bessa
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