quarta-feira, 10 de setembro de 2008

"Não haverá mudanças sem nós."

VEJAM ESTE TRISTE E INCRÍVEL EPISÓDIO ACONTECIDO NO MÉXICO

03/09/2008
Mexicana captura sozinha os seqüestradores de seu filho
Maite Rico
Em Madri


O pesadelo de Isabel Miranda começou em 12 de julho de 2005, quando seu filho, Hugo Wallace, de 30 anos, não compareceu a um encontro familiar. As ligações para seu celular não tinham resposta. Sua casa estava vazia e em ordem. Na noite anterior, Hugo havia dito a uma amiga que ia ao cinema com uma "nova namorada". Ali foram em busca de pistas. O estacionamento estava vazio. Percorreram sem sucesso hospitais e centros de emergência. "Então fiquei louca", diz Isabel.

A Cidade do México encabeça os seqüestros no mundo, e Hugo era um próspero empresário: a família temeu o pior.Isabel conseguiu que a companhia telefônica lhe desse a lista de chamadas para o celular de seu filho. A última havia chegado às 21h20 de 11 de julho. Localizaram a antena e sobre um mapa dividiram os bairros em um raio de 6 km, a área de cobertura. "Meu sobrinho encontrou o carro de Hugo no bairro Insurgentes. Estava mal estacionado. Ao vê-lo, comecei a chorar."Um vigilante lhe disse que "uma mulher alta, bonita, de seios grandes" tinha estacionado ali. Morava em frente, na rua Perugino, 6, apartamento 4. Tocaram a campainha quando um menino saiu na portaria. "Agora não vão querer abrir, porque houve um problema, desceram com um rapaz ferido", disse. Espantada, Isabel chamou a polícia. "Em vez de ajudar, não nos deixaram entrar no edifício. Colocavam obstáculos para tudo, como se protegessem alguém.

"Nesse momento a vida dessa pedagoga de 58 anos mudou. Apresentou uma denúncia por seqüestro, deixou seu trabalho e se dedicou somente à busca do filho, com a ajuda de irmãos, sobrinhos e cunhados. Durante duas semanas vigiavam a casa em turnos de 12 horas. "Não sabíamos quem estávamos procurando. Pedi em vão uma ordem de busca. Um dia trocaram o carpete. Chamamos a polícia. Nunca veio."Nesse tempo falaram com os moradores, os coletores de lixo, a mulher da barraca de tortilhas... Conseguiram saber que nesse lugar vivia uma jovem e seu namorado, um sujeito mal-encarado que se gabava de ser da polícia. Ela era dançarina do grupo Clímax, do estado de Vera Cruz. Fazendo-se passar por secretária de uma empresa interessada em contratar o grupo, Isabel conseguiu os dados e a foto de seu alvo, Hilda González. E a localizou no outro lado do país, em Jalisco.

Isabel não largou mais sua presa, que pouco depois voltou à capital. Então a família Wallace tinha recebido uma foto de Hugo, jogado no chão e com os olhos vendados. Os seqüestradores exigiam 950 mil pesos.Isabel decidiu enviar para fora do México seu marido, um contador aposentado com problemas cardíacos, e sua outra filha. Não queria mais preocupações. A partir de Hilda, seguiu a meada e foi armando o quebra-cabeça. Disfarçada com perucas e enchimentos, rastreando, comprando vontades. "Aprendemos no ato, com criatividade", diz. Seu irmão e um advogado amigo foram seus escudeiros. Na semana seguinte identificaram o namorado de Hilda: César Freyre, policial do estado de Morelos.

Em novembro se interrompeu o contato com os seqüestradores. Em 10 de janeiro de 2006, depois de algumas tentativas fracassadas, a Polícia Federal finalmente deteve Hilda. Freyre caiu duas semanas depois. A própria Isabel o capturou. "Meu irmão e eu nos colocamos perto do restaurante onde trabalhava sua amante. Uma noite, ao acabar a jornada, ela pegou um táxi. A seguimos até onde César Freyre a esperava." Ao vê-los, Freyre sacou uma pistola, mas Isabel e seu irmão se jogaram em cima dele e o derrubaram. "Foi uma inconsciência. Não nos matou porque Deus é grande.

"A trama seria novelesca se não fosse pelo fato de que o corpo esquartejado de Hugo Wallace jaz hoje em algum lugar da cidade. "O mataram na mesma noite do seqüestro. Hilda confessou tudo. Meu filho ficou violento e o golpearam. Exageraram nos golpes." Lavaram o corpo e tiraram fotos para pedir o resgate. Depois o cortaram com uma serra elétrica e desceram os pedaços em sacos de lixo.Então, sim, a polícia revistou o apartamento da rua Perugino. Nele encontraram a carteira de motorista de Hugo e manchas de sangue do jovem. "Sete meses depois do seqüestro? Nós tínhamos encontrado a casa no dia seguinte!", suspira a mãe.

Tão aterrorizante quanto o panorama que oferecem as estatísticas de seqüestros no México: 564 em 2005; 608 em 2006, 789 em 2007, mais de 500 este ano. Esses são só os denunciados. Em termos reais, o número triplica. O México é hoje o primeiro país em seqüestros, acima do Iraque. Um país onde há 1.600 corpos policiais diferentes e descoordenados, e legislações diferentes nos estados. Onde 98% dos crimes ficam impunes e no qual morreram este ano 3 mil pessoas nas mãos do narcotráfico.A rotina de violência oferece tais episódios de brutalidade que ainda é capaz de horrorizar a sociedade mexicana, como a descoberta na última quinta-feira de 12 corpos decapitados em Yucatán. As autoridades informaram sobre a detenção de três suspeitos.

Com a descoberta das manchas de sangue de seu filho, o caso apenas começou para Isabel. Hilda deu os nomes dos cúmplices: Jacobo Tagle, Brenda Quevedo, os irmãos Alberto e Tony Castillo Cruz.Nessa época a capital mexicana ficou cheia de anúncios gigantes com os rostos dos membros do bando, sob a legenda de "seqüestrador e assassino" e uma recompensa em troca de informação. No verão de 2006, os rostos dos criminosos dividiam espaço com os retratos sorridentes dos candidatos presidenciais, em plena campanha eleitoral.Todos foram caindo, um a um. A pista de Brenda foi seguida até os EUA. O FBI a deteve em novembro passado no Kentucky. Agora está à espera da extradição. Só falta Jacobo Tagle. "Deve estar em Israel. Sua família é de lá e não há acordo de extradição."

"Nós fizemos todo o trabalho. Alguns funcionários me ajudaram, é verdade. A promotoria nos apoiou. Mas a polícia não fez nada", conta Isabel. Pelo caminho localizaram outras quatro vítimas de Freyre, que se somaram ao processo. Descobriu o cadáver de um comparsa do bando, assassinado por seus cúmplices. E revelou as conexões entre o grupo e agentes policiais de Morelos e da capital.Isabel enfrenta uma denúncia por tentativa de seqüestro e outra por "sujar o bom nome" de Freyre em anúncios espetaculares. Nada importante, comparado com a tentativa de atentado que sofreu há apenas dois meses, quando homens dispararam contra seu carro."Não vou parar até encontrar os restos de Hugo. E até ver Jacobo Tagle entre as grades." Hoje ela ajuda outras pessoas e dá conferências. E promoveu com outras organizações a grande marcha de ontem na capital, com dezenas de milhares de participantes. "Não é uma marcha a mais. É o início das mudanças de que precisamos. O que acontece conosco não é só problema das autoridades. Também tem a ver conosco como cidadãos.

" Outras 70 cidades do país e oito do exterior, entre elas Madri, também tiveram manifestações.Isabel mostra-se cética diante do recente Acordo pela Segurança assinado por todos os poderes do Estado. "Não creio no discurso político. Há oito anos dizem a mesma coisa. Não haverá mudanças sem nós." Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

El País

3 comentários:

João Carlos disse...

O velho dilema de "O Livro de Goldstein", peça central de "1984" de Gorge Orwell: «Os "proles" não se revoltarão, enquanto não se conscientizarem. E não se conscientizarão, enquanto não se revoltarem.»

Do jeito que as coisas vão, vai começar pela revolta, mesmo... Vai ser na base do "muda alguma coisa!... pior do que está, não vai ficar!..." (E ainda vai piorar muito, antes de melhorar...)

Rita de Cassia disse...

Nossa esperança é que ainda existe meia dúzia de pessoas como Isabel.

Ana Cláudia disse...

João, você falou tudo...vai ser preciso chegarmos ao fundo do posso para comerçarmos a subida de volta....

Ah...amiga, não sei, se meia-dúzia resolve...