quarta-feira, 5 de março de 2008

SEMPRE FOI ASSIM!

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Falei aqui, recentemente, sobre a praga da burocracia. Outra praga, prima-irmã desta, é a PASSIVIDADE DIANTE DAS COISAS, ou o que eu chamo de "Sempre foi Assim". Esta praga permeia todos os setores da atividade humana, desde dentro de nossas casas até a vida profissional. Tanto quanto na burocracia, a gente também não costuma se dar conta de que está, de alguma forma, preso nesta armadilha.

Raríssimas (e especialíssimas) são as pessoas que, ao assumir um emprego, um cargo ou uma função nova, questionam e procuram saber a origem e o porque dos procedimentos inerentes. Alguns até procuram melhorar, otimizar, mas pouquíssimos mesmo questionam se aquilo é "realmente necessário" e por quê! É assim por que é assim! Sempre foi assim! Tem que ser assim! Isso é tão parecido com burocracia que às vezes se confunde com ela.

Querem um exemplo (não sei prá que eu pergunto, eu vou dar mesmo!)? Quando eu assumi a responsabilidade sobre o setor de estágios da escola onde trabalho (uma escola técnica federal, hoje um cefet), encontrei uma situação com a qual não concordava. O estudante, para fazer jus ao diploma de técnico deveria realizar um "estágio" de "x" horas e apresentar à escola um relatório. A aceitação ou não deste relatório (segundo critérios pré-estabelecidos) era a única condição para a diplomação.

Minha discordância vinha do fato de que a confecção do relatório (óbvia e compreensivelmente repetitivo para estágios nos mesmos locais) acrescentava muito pouco à instituição. Na minha visão, o "relato" das atividades profissionais deveria servir como fator de retro-alimentação curricular e programática. Por isso, com a autorização da direção criei um procedimento chamado "Seminário de Avaliação de Estágio". Algo semelhante (guardadas as devidas proporções) a uma "defesa de tese" onde o estudante discorria sobre as atividades realizadas no estágio perante um grupo (professores, orientadores pedagógicos, colegas etc.).

O objetivo principal deste procedimento não era "aprovar" ou "reprovar", embora isso até fosse possível, mas sim uma forma simples, direta e pragmática de criar um fluxo de informações "fresquinhas" sobre as novidades e tendências do "mercado de trabalho". Para que a participação no "Seminário" não se tornasse um estorvo para aqueles estudantes que já estavam engajados no mercado (por exemplo: um aluno que tenha sido contratado pela empresa que lhe deu estágio e, para isso, necessite, imediatamente, do diploma. Não podendo "aguardar" até o próximo seminário), eu, pura e simplesmente o DISPENSAVA desta BUROCRACIA e, considerando que o mercado o absorveu, entendia como "cumprida" a missão da escola e o encaminhava diretamente à DIPLOMAÇÃO. Simples assim!

Pois bem, minha "criação" agradou tanto que virou procedimento padrão em praticamente todas as Escolas Técnicas do País! Se me orgulho disso, claro! Mas vejam essa. Recentemente (já tendo me desligado da função há décadas) fui procurado por um formando que, desesperado, precisava do diploma para uma contratação que envolvia uma viagem imediata para outro estado da federação. No Setor de Estágios informaram-lhe que deveria participar do tal Seminário dali a SEIS meses! Mesmo afastado há tempos da função, procurei a colega que agora ocupava a chefia e relatei-lhe o fato. Como resposta ele me informou que nada podia ser feito pois o procedimento era esse mesmo, em TODA A REDE. SEMPRE FOI ASSIM.

Pacientemente eu lhe expliquei a origem dessa "história", revelando que havia sido eu o criador e que, portanto, não havia nenhum impedimento legal para a "dispensa" do rapaz para que ele seguisse seu caminho profissional (afinal não é esse o objetivo maior? não é para isso que estamos aqui?). Ela olhou-me entre desconfiada e perplexa e não me deu resposta. Ficou de pensar...Tempos depois (seis meses), para minha tristeza, encontrei o aluno. Ele estava lá para "cumprir" o Seminário. Perdera o emprego!
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Ivo Fontan

Um comentário:

Ana Cláudia disse...

Revoltante, Ivo.
Nem vou falar nada porque esse conformismo me deixa louca.

Essa burrice, esse engessamento de raciocínio que escapa às explicações da razão.

Um educador de uma instituição profissionalizante fazer um negócio desses, prá mim, merece só uma coisa:
RUA.