Dez dias: na Europa, crianças se desintoxicam das telinhas
De Martine Laronche
Enviada especial do "Le Monde" a Estrasburgo
No dia 20 de maio, uma terça-feira, os 254 alunos da escola primária do Ziegelwasser (antigo afluente do Reno, hoje um dos canais que atravessam Estrasburgo, uma cidade constituída por várias "ilhas") se lançaram num desafio tão arriscado quanto difícil: dispensar toda e qualquer telinha de televisão, computador e consoles de videogame durante dez dias. Logo após o anúncio, os jornalistas passaram a disputar espaço diante da porta da escola, que é classificada na categoria ZEP (Zona de Educação Prioritária), situada no bairro popular do Neuhof, na periferia.
Até mesmo a secretária de Estado para a família Nadine Morano se deslocou de Paris até o estabelecimento. Uma semana mais tarde, as crianças estão prestes a vencerem a partida. A taxa de sucesso supera os 90%, enquanto a meta que havia sido projetada para tanto era de 70%."No começo, nós não sabíamos o que esperar", se recorda Lucette Tisserand, mãe de um baixinho chamado Samuel, de 7 anos e meio. Habitualmente, o seu filho fica assistindo aos desenhos animados na televisão, pela manhã, além das informações regionais e do seriado "Omar et Fred" no canal por assinatura "Canal+", à noite, junto com a sua mãe. Nos dias sem escola, ele fica brincando com o seu Nintendo DS."Ele realmente levou o desafio a sério. Um dia, excepcionalmente, eu quis assistir a uma reportagem na televisão sobre esta experiência. Pois ele saiu da sala e foi se trancar no seu quarto", recorda-se a sua mãe. Felizmente, o garoto dispõe de muitas alternativas: bicicleta, piscina, museu, feirinha de objetos usados no pátio da escola...
Com tudo isso, Samuel teve um fim de semana bastante agitado."Graças a esta experiência, o ambiente está tranqüilo lá em casa", acrescenta Lucette. "Em relação a tudo isso, creio que algumas dessas regras deverão ser mantidas: não mais assistir à televisão durante as refeições, continuar nos divertindo com jogos de sociedade, e ler uma história para o meu filho à noite".
Os pais, apoiados pela associação ambientalista estrasburguesa ECO-conseil, que esteve na origem da operação em parceria com a Câmara de Consumo da Alsácia, participaram da realização de diferentes atividades, as quais foram coordenadas pelo diretor da escola.
Na última terça-feira (27), duas mães estiveram ocupadas em recortar moldes para a oficina de costura do dia seguinte. "Há muitas coisas que nós fazemos para os nossos filhos que nós não faríamos anteriormente", explica Sabrina Klem, mãe de Lyse, 7 anos, e de Laura, 8 anos. "Por conta disso, anteriormente, eu não tinha contato algum com os outros pais. Agora, a gente se cumprimenta, e vai criando laços de amizade". A mesma constatação é feita por Karine Vanhouck, mãe de quatro filhos, dos quais um está sendo escolarizado na escola do Ziegelwasser. "O meu filho quer continuar estudando aqui, não apenas porque ele aprecia muito os desafios, como também porque nós temos nos mostrado mais disponíveis para ele".
Uma parte das crianças teve lá seus momentos de fraqueza, sucumbindo a uma ou outra tentação, mas nem por isso elas resolveram desistir. Este foi o caso de Yasin, 10 anos, e de Matine, 11 anos, que na semana assistiram ao jogo de futebol da final da Liga dos Campeões e ao seu programa predileto, "As Trinta histórias mais espetaculares". Nasrine, 10 anos, confessa ter participado de um chat, uma vez, no MSN, junto com a sua prima, e ter assistido a um programa sobre o código do trânsito. Dylan, por sua vez, "tropeçou" em duas oportunidades diante da sua televisão, e tampouco resistiu a brincar com seu videogame. Essas pequenas distorções das regras resultaram toda vez na retirada de um ponto em sua grade de avaliação, mas, no total, os resultados obtidos por esses quatro colegas se revelaram mais do que honrosos.
Sobre a mesa do diretor da escola, destaca-se uma pilha de cerca de quarenta cartas de incentivo. "Todas essas mensagens mostram que nós estamos lidando com um fenômeno que diz respeito a todos os meios da sociedade", analisa Xavier Rémy. "Os últimos dez dias que nós vivenciamos foram um pouco mágicos. A operação permitiu que laços sociais fossem firmados, e disso restará forçosamente alguma coisa". Ao meter o bedelho em comportamentos que, a priori, não lhe diziam respeito, mas sim envolviam a intimidade das famílias, a escola do Ziegelwasser desempenhou um papel unificador no nível do bairro, incentivando as famílias a participarem de uma aventura inédita na Europa."Para idealizar este projeto, nós nos inspiramos em parte na experiência quebequense de Jacques Brauder, um professor de ginástica aposentado que atua como militante em favor da paz", explica Serge Hygen, um encarregado de missão na associação ECO-conseil.No Canadá, um balanço realizado em dez escolas listou inúmeros benefícios que podem ser obtidos com operações desse tipo: melhora do bem-estar e do humor das crianças, que acabam passando uma maior parte do seu tempo com a família, além de menos disputas. A maior parte das escolas que haviam lançado o desafio manifestou a intenção de repetir a operação.
Tradução: Jean-Yves de Neufville
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http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2008/05/30/ult580u3110.jhtm
6 comentários:
Amei, já encaminhei a matéria pra escola das meninas, tomara que saia alguma coisa daí. Uma proposta feita pela escola, discutida com os colegas, em tom de desafio... Nossa, pode dar certo.
O Colin Beavan, do No Impact Man, disse outro dia em um post que estava debatendo, num encontro qualquer aí, sobre o impacto do marketing na TV sobre a febre de consumismo que a gente vive, e disse que nunca ficou tão feliz por ter decidido manter a TV fora de casa mesmo depois do fim do projeto de um ano de vida sem impacto.
Muito legal.
Oi, Silvia!!!
Também mandei para a escola do pitoco!
Inclusive, fui convidada para ser mãe representante da turma. Aceitei o convite mas ainda não me situei direito...risos...
Mandei um bilhetinho pela agenda me apresentando e dando meu telefone e e-mail. Só uma mãe me mandou e-mail e uma avó me ligou.
Vamos ver...
Que legal esse lance de mãe representante! Eles têm, então, uma associação de pais e mestres? Isso é tão raro hoje em dia... Não sei se porque as escolas não querem esquentar a cabeça ou se porque os pais não têm tempo de participar. Provavelmente um pouco de cada.
Achei a idéia super interessante, vou passar para a diretora da escola da minha filha (ela esta no ensino fundamental), Na do meu filho, não creio que aceitem, mas, veremos...
Por postagens como esta que lhe dei o prêmio.
Beijo.
Oi, Ana Cláudia,
Gostei muito desta postagem, acredito que deveria ter uma "consciência coletiva" sobre este assunto,gostaria de saber se posso postá-la no "Consciência",linkando vocês, é claro!
Claro que pode, Lola!
Sempre que quiser!
Beijos!!!
Só destaco que apenas reproduzi uma matéria, o texto não é de minha autoria.
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