sexta-feira, 4 de abril de 2008

PRECONCEITO X RACISMO. PONTO FINAL

Ontem eu assistia num canal de tv a cabo, uma entrevista com o ex-boxeador Eder Jofre. Para quem não conhece, um dos maiores ídolos esportivos do Brasil. Bicampeão mundial em duas categorias e, sobretudo, um homem reconhecido e respeitado pelo bom caráter e extrema gentileza (qualidade, para muitos, não compatível com um boxeador). Num certo momento, ao recordar um episódio em que alguém furtara a luva de um de seus triunfos que ele havia depositado no túmulo da mãe, como homenagem, Eder, com os olhos cheios d’água e expressão de extrema mágoa, deixou escapar: ..."Um morfético desgraçado roubou a luva que dediquei à minha mãe".

Garanto que a maioria dos espectadores não entendeu. Os que entenderam devem ter sentido um mal estar, como eu.

Eder tem 73 anos. Usou uma expressão (preconceituosa) de seu tempo. Morfético era um termo pejorativo para os portadores da doença de Hansen (lepra, este também um termo hoje em desuso). Vem do tempo em que a morféia ou lepra era considerada uma espécie de maldição divina. Vem lá da antiguidade, e a igreja ajudou a cultivar essa idéia absurda até o século XX.
Assim como Eder, essa expressão também fez parte do meu repertório de ofensas na meninice. Hoje, felizmente, o termo sequer é conhecido dos mais jovens, assim como o estigma da maldição deixou de pesar nas costas dos portadores da doença. O esclarecimento fez cessar a causa e com ela o preconceito. É assim que funciona.

A propósito, Eder não é preconceituoso por ter falado isso. Sua memória simplesmente resgatou do arquivo uma "ofensa pesada", que era uma necessidade dele naquele momento. É humano!
Ainda na minha meninice os portadores de síndrome de Down eram chamados de mongolóides ou ainda mais simploriamente, de "bobos". Este segundo termo, aliás, englobava ainda portadores de PC e, até mesmo vítimas de poliomielite, dependendo do tipo de sequela. Mais um preconceito que se foi, na proporção direta em que os esclarecimentos chegaram e foram difundidos.

Os que já passaram de meio século de vida, como eu, hão de enumerar diversos outros exemplos de preconceitos já devidamente despachados (ou em curso) para a lixeira da história por força, pura e simplesmente, da extirpação de suas causas. É assim que funciona.
- Doentes mentais ("malucos"). Hoje o termo tem outra conotação entre os jovens.
- Homossexuais. Muitos dirão que ainda há muito a ser conquistado para o fim deste preconceito. Concordo, mas voltem a trinta anos atrás e vejam o quanto se avançou!
- Portadores de deficiências motoras ("aleijões"); da fala; da audição; da visão
- "Feios"; Obesos etc etc etc

Preconceitos entram e saem de nossas vidas ao sabor dos fatos, dos estereótipos, da história civilizatória e social de cada povo. Eles fazem e farão parte da "aventura humana" até o seu desfecho, se e quando houver. Há (e haverá) para todos os gostos. Dos pequenos, inofensivos, pitorescos mesmo, até os mais graves e danosos (os envolvendo etnias, religiões etc, entre estes). Há (e haverá) também os intrinsecamente relacionados aos instintos SIM, sobretudo de preservação e sobrevivência. Estes últimos, queiramos ou não, indissociáveis (quem não os tem é ingênuo, vulnerável ou mentiroso - eu os tenho!) dos hábitos do dia-a-dia em contextos sociológicos limítrofes ao rompimento do "estado de ordem", como ocorre hoje em cidades como o Rio de Janeiro.

Uma coisa em comum a todos os tipos de preconceito é o fato de que desaparecem, naturalmente, com o fim do fato gerador (pode demorar um pouco mais ou um pouco menos, mas desaparecem).

Há que se ter muita disposição e perseverança para a interminável (literalmente) luta contra os preconceitos, mas, sobretudo, há que se ter extremo cuidado em não confundi-lo com outras "síndromes sociológicas" muito mais graves e perniciosas como, por exemplo, o RACISMO ou o ÓDIO RELIGIOSO. Estes sim, objetos de "combate" permanente e inexorável, pois originários não de um fato concreto e nem ligados a nenhum instinto que os tornem, se não aceitáveis, compreensíveis. São fruto unica e exclusivamente do ódio e da intolerância.

Preconceito e racismo se misturam e se assemelham perigosamente, como "gripe" e "resfriado", mas, como essas doenças, são coisas distintas. O racismo (bem como a intolerância, o sectarismo, a xenofobia) "gosta" de ser confundido com preconceito, e via de regra consegue! Pessoas bem intencionadas contribuem para esse maldito mimetismo.

Meu texto teve a intenção de chamar a atenção para isto. Falhei.
Teve também a intenção de alertar para o fato de que esta sutil confusão leva a outra ainda maior e mais explosiva: a falsa conclusão de que o Brasil é um país RACISTA. Mentira. Não é, não PODE ser, pela sua própria gênese étnica. O que não anula o fato de que "existem racistas no Brasil".

Repito: Existem racistas no Brasil! Mas... O Brasil não é racista!
Existe ódio racial no Brasil! Mas... O Brasil não é sectário nem fundamentalista no plano religioso!
É sutil. Tão sutil que eu mesmo não consegui transmitir.

Talvez por falha minha, talvez pelo fato de que muitas mentes não queiram, de verdade, admitir esta distinção pois já incorporaram ao seu "discurso" (pois a seus atos eu duvido) "politicamente correto" esta confusão.

De fato, achei (erroneamente) que um blog poderia ser um foro para debates desta natureza. Não é. Não porque o blog, sua criadora e demais colaboradores não o queiram. Não porque tenha sofrido qualquer tipo de censura ou qualquer recomendação para falar ou não falar, disso ou daquilo, desta ou daquela forma. Ao contrário, sempre tive liberdade total de escrever sobre o que bem entendesse, da maneira que bem entendesse. Meu rompimento é tão somente uma reafirmação pessoal do meu direito de expressão, do meu direito de NÃO ser (arghhhh!) "politicamente correto" sem ser, sumariamente, julgado e condenado por pessoas a quem não posso, sequer, olhar-no-olho.

Podem também considerar como inadequação (minha) a este universo (dos blogs), cuja dinâmica confesso que não domino, acostumado que estou a debater com argumentos, contra-argumentos, réplicas e tréplicas, sempre a respeito do TEMA, e, como eu disse, olhando-no-olho. Eu não preciso e não aceito, muito menos de anônimos, julgamentos sobre MINHA PESSOA e meu caráter com base em interpretações tendenciosas (ou eivadas de pré-conceitos!!!) do que escrevo.
Por isso, mesmo sob protestos da Ana, "quem está no lugar errado sou eu". Vida que segue.

Desejo, do fundo do coração, que o Futuro do Presente siga no seu caminho e nos seus objetivos.
Foi muito bom ter participado.
__________________________________________________________________________________ Ivo Fontan

P.S. Atendendo a pedidos da Ana alguns posts meus, previamente enviados, ainda serão publicados.

6 comentários:

Ana Cláudia disse...

Você não imagina como estou triste que o fato de que alguns comentários tenham feito você desacreditar em blogs.
Eu não tenho a intenção de mudar o mundo, nem a opinião de ninguém. O que aliás, seria de uma extrema pretensão (com s ou ç?...rs) de minha parte.

Uso este espaço para mostrar que podemos fazer, podemos pensar, podemos questionar.
Estou de fato empenhada em mudar o meu mundo neste momento. Meu pequeno universo porque acredito que seja o pequeno universo de cada um que fará a diferença.

Trocar com quem quer trocar comigo e aprendi muito com você.
Obrigada por sua participação.

Pensei até em acabar com os comentários anônimos por causa desse episódio, mas seria uma bobagem visto que pode-se escrever qualquer nome aleatóriamente, caso a intenção seja manter-se no anonimato. Seria hipocrisia, um me engana que eu gosto... como se diz. e o que não somos é hipócritas.

Um grande beijo em você e em todos aí!

E como diz a música do filme Toy Story (filmes que vejo com certa frequência e repetição...rs...): Amigo estou aqui, amigo estou aqui!

Cristiane A. Fetter disse...

Ivo, tenho certeza que as portas estarão sempre abertas para você.
Abraços

Anônimo disse...

Ah, Ivo, sempre ter alguém pra "bater" na gente, principalmente quando pode se ocultar nesse meio virtual. Veja isso como um desafio! Eu acompanhei teus textos, mas não acompanhei os comentários, só fui olhar agora.

Numa boa: duvido que a mãe-advogada-anônima seja perfeita como quer parecer. Ninguém é perfeito! Du-vi-do, mas duvido *mesmo*, que ela não tenha nenhum preconceito!

Mas, sério, não tem graça o blog perder uma cabeça como a sua por conta de dois leitores insatisfeitos. Descansa a cabeça e reconsidera, vai. Afinal, você é co-fundador do blog. E, olha, numa boa: sugerir que você saia do blog porque não tem perfil para escrever aqui? Quem é que define esse perfil? E ISSO - dizer que um texto não tem a ver com o que se procura aqui - é um *baita* preconceito, viu? No mínimo, um contrasenso.

Tô passada.

Ana Cláudia disse...

Aproveitando, também quero deixar claro que adorei todos os textos do Ivo. Gosto do seu modo de escrever, do seu tom "um pouco acima" como ele mesmo diz.
Esse contraponto no blog era algo que muito me agradava porque nem de longe queremos ser unânimes. Aliás, muito pelo contrário.
Se formos ser acordados com a maioria, a gente continua onde está porque o Brasil é o que é, por conta do que pensa a maioria.

Mantenho os comentários anônimos porque tem muita gente que quer fazer perguntas e não quer se identificar. Acho uma pena que algumas pessoas que querem debater não queiram se identificar, não importando se discordam completamente do que foi dito.

O Ivo se adequava perfeitamente como todos ao blog, todos que querem discordar do rumo que as coisas tomaram.

E somava muito.

Tenho esperança de um dia ele reconsidere. Porque fará muita falta.

Eu acho que ele vai sentir saudade...
;0)

ana b. disse...

ivo, nem fui procurar os comentários q te chatearam, mas reforço aqui os pedidos já feitos: RELEVE, pq não vale a pena!
eu tb já tive gente "mal-criada" no meu próprio blog! mas pensa só: nos blogs, lê quem quer, ninguém é obrigado a gostar e ficar. se fulano lê, não concorda e não tem maturidade para discutir com argumentos, contra-argumentos, réplicas ou tréplicas, se o mm fulano, ainda por cima, se esconde no anonimato... fulano é quem tem um problema, né não?!
deixa pra lá, pq esse tipo de julgamento não pode te atingir, afinal, vc nem sabe quem é a pessoa!!!
o bacana do proposta desse blog é a diversidade de pessoas e modos de ver, são os diferentes tipos de inteligência, num mundo tão pasteurizado... vc, com certeza, foi admirado e compreendido por muita gente aqui!
mas, boa sorte no seu caminho, viu? e se reslver reconsiderar, tenho certeza q mais gente vai gostar, do q desgostar!! rs
abs
ana (leitora muitas vezes anônima)

Anônimo disse...

Bem, eu não sei o que houve e nem do que as pessoas aí acima (ou abaixo) estão falando, mas queria dizer que gostei mto das suas palavras e principalmente a característica das datas dos posts. Parabéns pelo blog. Aproveito minha passada por aqui pra recomendar o www.hsw.com.br , um site que é um dos clientes da agência de rp que eu trabalho e que eu acho que tem tudo a ver com o tema daqui: o mundo, a minha cidade e a minha vila podem mudar. Pra que isso seja possível, é necessario conhecimento. Conhecimentos que são transmitidos por site de relevância, como esse, e por blogs como o meu. Abraços, Clarissa