sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Incapacidade de parir


Desde que eu engravidei pela primeira vez, me chamou atenção o fato de 99% das mulheres que eu conhecia, tinham passado por uma cesárea. E isso para mim era estranho porque eu cheguei a ver campanhas que estimulavam o parto normal. Eu pensava, como deveria ser , que a cesárea fosse apenas um recurso utilizado quando clinicamente fosse arriscado tentar o parto normal.
E isso em casos excepcionais visto que parir é um ato natural e fisiológico devendo ser aceito como o melhor método de trazer uma pessoa ao mundo.
Mas a nossa realidade é completamente diferente.
80% dos partos no Brasil, são cesareanos.
A partir de então, comecei a buscar informações para entender o que estava acontecendo com as mulheres.
Será que ficamos incapacitadas de parir?
Porque quando temos um número de intervenções cirúrgicas que é 5 vezes maior do que o recomendado pela OMS, isso tem que significar alguma coisa.

Contudo o resultado das averiguações são mais tristes do que simplesmente termos ficado incapazes de parir. O sistema nos tem tirado este direito sumariamente. Isso porque a maioria dos médicos obstetras preferem fazer cesárea em suas gestantes do que esperar horas por um parto normal.
A cesárea é prática, tem hora marcada para começar e para acabar.
E aí, para convencer uma mulher a fazer uma cesárea, e eles nem precisam fazer muita coisa: falam que ela não tem passagem (o que somente é possível saber na hora do trabalho de parto), falam que circular de cordão impede o nascimento natural (o que não é verdade), que depois da primeira cesárea não pode ter parto normal (minha sogra teve dois partos normais depois da primeira cesárea) e muito mais.
E agente cai nessas conversas porque é a primeira vez que temos filho e não entendemos nada de parto.
Porque ouvir essas coisas é o mesmo que ouvir que seu filho pode morrer....
Porque acreditamos que o médico jamais nos operaria sem necessidade.

Mas a realidade não é essa e hoje o que se prega é a segurança total da cirurgia, o que também não é verdade.

Eu mesma tive um sangramento por conta do corte da cesárea feito em meu útero que se não tivesse sido contido me levaria a dois terríveis caminhos: uma histerectomia (retirada da útero) ou à morte.

Eu vejo uma cirurgia feita sem necessidade e por conveniência e preferência do médico, uma mutilação e um crime. Sem mencionar a falta de ética profissional.

Acontece que muitas mulheres também fazem preferência pela cesárea. E aí?
E aí, eu acho que cabe ao médico ser ético e somente operar em caso de necessidade, não porque a paciente prefere um procedimento cirúrgico.
Ou alguém já ouviu falar de pessoas que chegam ao médico e falam: quero tirar um rim, e viver com um só, sem motivo clínico nenhum, o médico vai lá e tira, só porque o paciente quer?

Claro que muita gente vai defender o direito de escolha da mulher. Mas será que realmente ela tem o direito de escolher fazer uma cirurgia sem necessidade quando isso põe também em risco outra vida? Será que é mesmo só o seu corpo que está envolvido?

Essa é uma questão complexa e há muito que se pensar a respeito.
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Ana Cláudia Bessa

11 comentários:

Geovana disse...

Realmente vc tem razão. Sempre ouvi, das pessoas que optaram por cesária, as desculpas citadas no texto. São desculpas que pessoas e médicos utilizam para justificar uma cesária. A gente ouve tanto que até aceita como verdade.
Toda intervensão cirúrgica pressupõe risco de vida. Imagine quando são duas vidas juntas. Os médicos, realmente, precisam ser mais profissionais.

Lola disse...

Oi moça...
Concordo com você em todos os sentidos... Eu tenho dois filhos, o meu primeiro vai fazer 14 anos esta semana e a minha menina tem 9, os dois foram de parto normal. Meu primeiro filho teve o "cordão" enrolado no pescoço 3 vezes e deu trabalho para nascer sim, mas, como foi da vontade de Deus, ele está aqui e é lindo e inteligente! (coruja!) Minha filha colocou o braço junto com a cabeça... O único comentário do meu médico foi:"não dá para ser "normal", uma vez? rss... Mas, no final, tudo saiu bem. Meu médico nunca incentivou a cesárea. Mesmo com os contratempos, acho que o "parto normal é a melhor opção, é o ciclo natural da vida... Cesárea, para mim, só em caso de emergência de verdade, em casos que com antecedência o médico consiga informar, com profissionalismo, que é extremamente necessário, ou em emergências de verdade.
Beijos...

Lara Werner disse...

Puxa, as pessoas com quem temos identificação se comunicam conosco quae que telepaticamente... Estava pensando netse assunto estes dias, e a palavra que me veio à mente foi justamente esta: mutilação.

Ética e moral possuem o mesmo significado, costume, uma sendo de origem grega, ethos, e outra latina, morus.

Quando falamos das cesareanas e dos partos normais desumanizados (vulgos partos Frankstein), e minha posição pessoal é exatamente esta: um parto normal desrespeitoso se assemelha muito mais à uma cesareana desnecessárea igualmente desrespeitosa, com a diferença que no primeiro a extração do bebê é via vaginal, e no segundo via abdominal. Extração, porque o bebê não é expelido naturalmente pelo corpo e pela alma de sua mãe.

E estamos tão mal acostumados, tão éticamente degenerados, que a cesareana e o parto normal com intervenções se tornaram fatos e práticas acima de qualquer suspeita ou questionamento.

E se mulheres e comunidade de etnias africanas não se assustam com o costume da extirpação do clitoris em meninas, nós aqui no Brasil estamos quase no mesmo pé, no que tange ao parto. A semelhança entre estas duas realidades muito me impressionou, quando tive este insight. Se diferem apenas: o clitoris não pode se regenerar, o momento sagrado do parto não pode ser restituído à mulher e seu filho.

É preciso educação para os jovens, informações para as mulheres, ética para os médicos mas, sobretudo, muita coragem, de todos nós, para denunciarmos a violência forçosamente silenciosa que acontece nos hospitais. Esta violência existe, ainda que as mulheres não se sintam violentadas. Tanto brasileiras quanto africanas.

Lívia disse...

Lembrei de uma história de quando eu era pequena. Eu tinha pavor de parto. Mas era horror, mesmo. Dizia que eu nem pensaria duas vezes, que só cesaria pra mim. Então uma tia medica me perguntou porque. E eu falei "Porque dói, muito." Como eu sabia? Porque eu via nas novelas, nos filmes... e então ela me explicou que muitos médicos que não entendem seu papel valorizam a cesaria porque ela, muitas vezes, gera dinheiro, é mais fácil do que ficar horas esperando, dá pra planejar, várias coisas. Mas que ela simplesmente não era a forma natural que a natureza inventou. Além disso, me explicou também essa coisa da banalização das cirurgias. Eu tinha 10 anos. Hoje ainda morro de medo da dor. Mas vou fazer o possível pra que meus filhos sejam de parto normal.

Cristiane A. Fetter disse...

Temos que pensar e muito nisso, claro sempre visando o bem estar da mãe e do filho e não o do médico, que tem pressa, que é mal remunerado pelo parto normal, que não gosta ou não está apto.
Aqui nos Estados Unidos uma amiga brasileira, que está grávida, foi assinar a papelada para internação no hospital e quando lhe perguntaram se ela preferia uma cesária ou normal e ela escolheu a segunda opção, eles quase infartaram.
Ela perguntou o porque de tanto espanto, e eles responderam, ué, mas você é brasileira e lá as mulheres só gostam de cesáreas.
Preciso dizer mais alguma coisa?

Anônimo disse...

A obstetra em operou porque eu demorei a entrar em trabalho de parto.
Não sei até hoje dizer se eu realmente precisava de uma cesárea mas na hora do nascimento ela ainda soltou que ainda bem que ela me operou porque eu estava com pouco líquido e meu parto seria um parto seco, isso existe?

ana b. disse...

ah, flor, depois de um certo tempo (e com a idade rs), fica tão evidente esse absurdo das cesáreas...
minha cunhada, médica pediatra, acabou de fazer uma cesárea, por "sofrimento" do bb, exatamente no dia q ele completou 40 semanas de gestação. deu tempo dela voltar pra casa, pegar as malas, o pai, o marido, internar...
quero dizer, se até o próprio médico acredita no "poder" de uma cesárea "salvadora"... coitadas de nossas filhas!
bjs e boa semana!

Anônimo disse...

E as cesáreas de emergência ou inevitáveis que são salvadoras mas que os bebês nascem com apgar 10/10 ?

Se o bebê estava tão bem, sinal de que não era emergência, né?

Carla Beatriz disse...

Eu sempre acreditei na minha capacidade de parir e sempre quis um parto natural para mim - e fui bem sucedida! Tive meus dois filhos de parto normal, um hospitalar e outro domiciliar e não consigo entender quando me dizem que uma mulher sofreu uma cesárea porque "não tinha contração", "não tinha dilatação", "o cordão estava enrolado no pescoço", etc.
Mesmo anos antes de eu começar a pesquisar sobre o parto normal, eu fica extremamente decepcionada, quando ouvia que tal amiga ou conhecida havia sofrido uma cesárea. Eu me perguntava, inconformada: "Mas por quê?"
Minha mãe sempre me passou uma visão muito positiva do parto e eu cresci com o firme propósito de ter meus filhos assim. Sei que muitas mulheres quiseram ter um parto normal e não o conseguiram, e sofri com algumas dela, quando foram submetidas a uma cesariana. Lembro-me especialmente do primeiro parto da Ana Cláudia, que acabou em uma cesárea com anestesia geral, só porque ela estava com a bolsa rota há mais de 12 horas e o médico não fazia parto normal após esse prazo. Chorei ao ler o relato dela e me perguntei: "Por que algumas mulheres QUEREM o parto normal e não conseguem?, enquanto que outras são prontamente atendidas, quando solicitam uma cesariana?"
A questão é: por que as mulheres que querem cesarianas têm seu direito atendido, quando aquelas que querem ter um parto normal, acabam sofrendo uma cesárea desnecessária - uma desnecesárea? Por que não deixar a cesárea somente para os casos em que ela é REALMENTE necessária, que são menos de 15% de todos os casos?

Renata disse...

Oi Ana. Eu tb sou super a favor do parto normal. Tive uma cesárea de emergência, mas depois de trabalho de parto e dilatação 10. Minha filha não estaa encaixada e com as contrações era empurrrada para o canal, mas "mergulhava com a cabeça inclinada pra trás, o que a impedia de descer, e voltava para a posição anterior. Minha médica tentou girá-la pra ajudar a mudar a posição, mas nõ adiantou. Na hora fiquei triste, talvez até pudéssemos ficar mais tempo tentando, mas confio muito nela e sei que ela sempere privilegia os partos normais. Infelizmente, médicos assim são minoria. Embora ache injusta (e crimnosa) a intervenção deles no curso natural do parto, desconfio de que grande parte das mulheres tb não está realmente preparadas pra ter um parto normal hoje, assim como eu não estava. Mas isso é assunto pra um post, não pra comentários...
Beijos
Renata

Ana Cláudia disse...

Gente, o parto da Carla é lindo. Eu me emocionei muito ao ler seu relato!
Parabéns, amiga!

E Renata, eu entendo o que você está dizendo, entendo mesmo. Existem mulheres não preparadas para parto normal.
mas acredito que isso seja por causa da nossa sociedade da excessiva medicalização do parto.

Acabei de receber um texto de uma mulher que fala da dor do parto e é surpreendente ver como ela fala do quanto maximizou essa dor.

No SUS o percentual de partos nromais é bem maior que na rede privada. Será que as mulheres que necessitam e usam o SUS estão mais preparadas? Ou todas nós estamos mas somos levadas a acreditar que não estamos?